No mês da Consciência Negra, conversamos com advogados e ativistas negros
para entender essa questão mais a fundo
Por Thais Queiroz
Apesar de serem maioria no Brasil – 56,10%, de acordo com oIBGE – os negros ainda não ocupam de forma proporcional os espaços de poder. E quando falamos sobre negros no Poder Judiciário, uma instituição que é capaz de tomar decisões que influenciam a vida de milhares de pessoas, conquistar esse equilíbrio racial é uma necessidade.
Os dados jurídicos sobre a presença negra no judiciário brasileiro ainda são incompletos.O Conselho Nacional de Justiça(CNJ) realiza levantamentos periódicos. O último deles foi divulgado em 2018.
Até o momento a Ordem dos Advogados do Brasil, bem como a Defensoria Pública e o Ministério Público, não realizaram estudos nesse sentido. Estudos independentes ajudam a termos uma dimensão de como essa desigualdade acontece em outras áreas do direito.
Pesquisa do Ceert(Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), em parceria com a FGV (Fundação Getúlio Vargas) realizada em 2019 apontou que, nas nove maiores bancas de advogados de São Paulo, dos 10% de negros, 9% são estagiários e apenas 1%advogados.
Índice
A vida pós-universidade
Apesar de, pela primeira vez na história, os negros serem a maioria nas universidades públicas(50,3%, segundo o IBGE), o que falta para que esses jovensdeem o passo seguinte e ocupem asesferas do poder?
“O que as políticas afirmativas fizeram foi enegrecer a universidade de Direito, mas o que falta depois desse primeiro passo é enegrecer o Direito. Temos milhares de bacharéis negros se formando, mas que depois de se formarem eles se deparam com uma Justiça majoritariamente branca”, analisa José VítorPereira, advogado emembro das Comissões de Igualdade Racial e Direitos Humanos da OAB/PE.
“A democracia liberal nos prometeu que com mérito e estudo teríamos poder político e econômico. Enegrecemos as universidades brasileiras com excelência. E pouca coisa mudou. Precisamos redesenhar as divisões do poder político”, analisou Alexsandro Santos, Diretor Presidente da Escola do Parlamento, durante a I Primeira Conferência Nacional de Promoção da Igualdadeem novembro de 2020 – oprimeiro evento sobre o tema de abrangência nacional a ser realizado pela OAB.
Ações e desafios dos negros no Poder Judiciário
Essa busca pelos espaços de poder é o que une juristas e advogados negros em todo o país. Comissões e coletivos que estãoprovocando pautas igualitárias, com o apoio deórgãos como a OAB e o CNJ.
Novas iniciativas despontam no horizonte e dão a esperança de mudança. O STJ instituiu em novembrode 2020um grupo de trabalho destinado à elaboração de estudos e propostas para a formulação de políticas sobre igualdade racial no Tribunal da Cidadania.
Já em 2015, o CNJ lançou aResolução Nº 203, que determina uma reserva de 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e de ingresso no Poder Judiciário.
Mesmo assim, uma pesquisa nacionalda Associação de Magistrados Brasileiros feita em 2018 mostrou que não houve candidatos negros suficientes para preencher essas vagas – apenas 0,6% dos entrevistados foram aprovados para vagas destinadas às pessoas negras na magistratura de 1º grau. O CNJ também mensurou que de 796 novos ingressos nos anos de 2016 e 2018, apenas 24 (3%) foram por cotas para negros.
Um cenário que torna a equidade racial na magistratura ainda mais distante. Dados divulgados pelo CNJem julho de 2020 apontam que somente em 2044 o quadro de juízes no país será composto por, pelo menos, 22,2% de pessoas negras e pardas.
É com o objetivo de alcançar essa equidade que a Procuradora Federal Chiara Ramos uniu forças e fundou em 2019 a Coletiva Abayomi Juristas Negras.
Abayomi é um nome de origem iorubá e significa “aquele que traz felicidade ou alegria”. E para as integrantes dessa coletiva, não há alegria maior do que colocar novas mulheres negras nos espaços de poder. A missão é combater estrategicamente o racismo estrutural, ofertando capacitação, aperfeiçoamento, empoderamento e treinamento de alta qualidade a baixo custo.
“Queremos trabalhar de uma forma estratégica para que as mulheres negras estejam inseridas em todos os espaços do sistema de justiça”, afirma Patrícia Oliveira, advogada e co-fundadora. Patrícia tem como sonho atuar na área de Direitos Humanos, lutando por uma justiça inclusiva, frente à Magistratura ou à Procuradoria.
A Abayomi Juristas Negras leva em consideração as particularidades de suas alunas – muitas são esteio da família e não podem se dedicar exclusivamente aos estudos. Além disso a situação econômica também é levada em consideração:quem puder pagar, contribui com valores abaixo dos praticados pelo mercado, para ajudar quem não pode.
AMetodologia de Aprovação Abayomi, desenvolvida por Chiara Ramos, envolve a prestação de serviços como mentoring, coaching, treinamento estratégico e estudo em grupo afrocentrado. Sua preparação envolve quatro pilares: o intelectual, o físico, o emocional e o espiritual, inspirando-se na filosofia africana do Ubuntu.
Ubuntu significa “Eu sou porque nós somos” ou, em um sentido mais geral, também quer dizer compaixão, calor humano, empatia, compreensão eamor.
Em um movimento de resgate da história negra no Brasil, uma mulher se tornou um símbolo para profissionais negros do Direito em todo o país: Esperança Garcia.
Mulher negra e escravizada, em 1770Esperança escreveu para o governador do Piauí uma petição em que denunciava maus-tratos sofridos por ela, seus amigos e filhos. A carta foi descoberta em 1979 e desde então Esperança tornou-se um símbolo de resistência negra.
Esperança recebeu o título simbólico de advogada pela OAB-PI e é reconhecida como a primeira profissional do Estado.Em sua reivindicação por direitos, chama atenção o fato de ela solicitar uma vida melhor para si e seus iguais respeitando as leis e costumes da época.
Ilustração: Valentina Fraiz / Folha de São Paulo
Reconhecer-se negro
Falar de Consciência Negra é também refletir sobre o que significa ser negro no Brasil. Em um país miscigenado como o nosso, as nuances sobre negritude são mais sutis – e reconhecer-se como tal pode ser um processo gradual. Ainda mais quando estamos falando de profissionais que atuam em uma área ainda com pouca representatividade racial.
Foi o que aconteceu com a advogada e ativista Elaine Alves. Habituada aos ambientes formais dos escritórios desde 2010, ela lembra até hoje o momento em que teve essa realização.
“O processo de construção da minha identidade foi muito significativo. Apesar de ter nascido negra eu não fui sempre negra. Eu me tornei negra. Antes eu sempre pensei quetinha que me adequar: alisar o cabelo, usar certos tipos de roupa. Um dia fui a um salão de beleza diferente do habitual. o cabeleireiro me perguntou: ‘Como era seu cabelo original?‘Parei para pensar em como eu era anos atrás.Resolvi deixar meu cabelo natural,voltei ao salão e pedi para cortarem meu cabelo radicalmente. Eu queria me encontrar comigo mesma e seria agora”, conta.
Já para o advogado José Vitor Pereira o tornar-se negro veio durante os anos de Universidade, com a presença maior de negros nas salas de aula. “Ingressei na Faculdade de Direito do Recife em 2013um ano antes das cotas raciais. Eu era um dos poucos negros da minha turma, e por ser pardo não me via como negro. Foi nos semestres seguintes, quando as cotas entraram em vigor e a presença de negros só aumentou, que fomos nos unindo, criamos grupos de pesquisa, e eu me reconheci como homem negro que sou”.
Somente com a consciência coletiva do que é ser negro no Brasil que negros e brancos, juntos, poderão mudar a realidade. E você, já refletiu sobre o tema hoje?
Agradecemos a advogada Priscilla Rocha pela colaboração na apuração desta matéria.
Para saber mais
Veja a íntegra da I Conferência Nacional de Promoção da Igualdade, realizada pela OAB Nacional nos dias 19 e 20 de novembro de 2020:
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