O que é usucapião e como funciona este instituto jurídico?

O instituto jurídico da usucapião é uma forma de aquisição originária da propriedade de um bem por meio da posse prolongada e contínua, desde que preenchidos os requisitos legais.

Existem diversos tipos, variando os requisitos para sua obtenção. Portanto, o seu estudo é sempre atual e importante, como meio eficiente de obtenção da regularização da propriedade imobiliária. Por isso, o tema deve ser objeto de estudo e atualização de todos os profissionais que trabalham com o direito imobiliário.

Este breve artigo não tem a pretensão de materializar em um estudo aprofundado sobre o tema, mas sim chamar a atenção do leitor para a importância do instituto e levar o leitor a estudá-lo de forma mais aprofundada.

Neste texto, abordaremos o conceito, funcionamento e os diferentes tipos de usucapião.

O que é usucapião?

A usucapião é um modo originário de aquisição da propriedade, ou seja, é uma forma de obter a propriedade de um bem sem a necessidade de compra ou contrato. Esse direito se baseia no princípio de que, ao possuir um bem por um determinado período, de forma ininterrupta, pacífica e sem oposição do proprietário, o possuidor adquire uma propriedade sobre esse bem.

O correto é a usucapião ou o usucapião?

Ambas as formas estão corretas. Embora se use com mais frequência o termo “usucapião”, não há uma regra gramatical específica que determine qual forma deve ser utilizada. Portanto, pode-se utilizar tanto a expressão “a usucapião” quanto “o usucapião”, pois ambas as colocações são corretas.

Por que existe uma usucapião?

A usucapião tem como objetivo conferir segurança jurídica e estabilidade às relações possessórias. Visa premiar aqueles que, por um longo período, ocuparam e utilizaram um bem sem contestação do proprietário, permitindo a regularização da propriedade. Além disso, ela contribui para a função social da propriedade, evitando o acúmulo de bens improdutivos, como no caso de imóveis que permanecem sem utilização ou destinação de seu proprietário tendo como único objetivo a especulação imobiliária.

Como funciona a usucapião?

A usucapião ocorre quando alguém possui um bem de forma contínua, mansa, pacífica e ininterrupta por um período estabelecido por lei que varia de 2 (dois) a 15 (quinze) anos dependendo da modalidade conforme será abordado adiante. Ao preencher os requisitos legais, o possuidor adquire a propriedade do bem usucapido. A função do instituto é conceder ao possuidor a segurança jurídica necessária para usufruir plenamente do bem.

Quais os requisitos da usucapião?

Os requisitos para o pedido variam de acordo com o tipo de usucapião e a legislação de cada país. No Brasil, por exemplo, os requisitos gerais comuns são a posse mansa, pacífica e ininterrupta do bem por determinado período. Ou seja, é aquela exercida de modo contínuo, sem interrupções e sem oposição e questionamento de terceiros.

Além desse, há também a necessidade do cumprimento dos requisitos específicos de cada tipo. Entre eles se destacam o justo título e a boa-fé.

a) Justo título

Justo título é todo o documento que, em tese, seria apto a permitir a transmissão da posse de um bem imóvel ao seu adquirente. Um exemplo seria contrato particular de compra e venda, escritura de posse, recibo de compra.

b) Boa-fé

Boa-fé é aquela subjetiva, em que o adquirente tem boa fé de estar adquirindo o bem de seu proprietário.

Exemplos de usucapião

  • Uma pessoa ocupa um terreno baldio por 15 anos, constrói uma residência e utiliza o espaço de forma ininterrupta. Ao final desse período, ela pode ingressar em um processo de usucapião para adquirir a propriedade do terreno.
  • Um agricultor ocupa e cultiva uma área rural há mais de 10 anos, sem contestação do proprietário. Nesse caso, ele pode buscar uma usucapião para obter uma propriedade da terra.

Tipos de usucapião – bens imóveis

Existem diferentes tipos de usucapião para bens imóveis, cada um com requisitos específicos. Alguns dos principais são:

Usucapião extraordinária

Ocorre quando alguém possui um imóvel de forma contínua, pacífica e ininterrupta por um período mínimo de 15 anos. É necessário que a posse seja acompanhada com ânimo de dono, ou seja, o possuidor agiu como se fosse o verdadeiro proprietário do bem; não sendo necessário justo título nem boa fé.

O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Usucapião ordinária

É aplicável quando uma pessoa possui um imóvel de forma contínua, pacífica e ininterrupta por um período mínimo de 10 anos. Nesse caso, é necessário verificar o ânimo de dono, além de ter justo título e boa fé.

Será, contudo, de cinco anos o prazo para a obtenção da usucapião se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.

Usucapião especial

Destinado a regularizar a posse de imóveis utilizados para moradia ou subsistência. Alguns tipos de usucapião especial são:

Especial urbana

Ocorre quando uma pessoa possui um imóvel urbano de até 250 metros quadrados por um período mínimo de 5 anos, utilizando-o como moradia própria ou de sua família.

Especial rural

Aplicável quando uma pessoa possui um imóvel rural de até 50 hectares por um período mínimo de 5 anos, utilizando-o para sua moradia ou subsistência.

Especial coletivo

Visa regularizar a posse de áreas urbanas ocupadas por comunidades que não possuem título de propriedade.

Especial familiar

Ocorre quando uma pessoa possui um imóvel urbano ou rural como sua moradia, juntamente com sua família, por um período mínimo de 2 anos.

Especial indígena

Significava à garantia do direito à posse das terras tradicionalmente ocupadas por comunidades indígenas.

Tipos de usucapião – bens móveis

A usucapião de bem móvel é um meio de aquisição originária da propriedade de coisa móvel, nos termos do art. 1260 a 1262 do CC/02. Exemplo seria a aquisição de um veículo automotor pelo decurso do prazo nos casos em que não se tenha o documento de transferência do veículo e o possuidor detenha o veículo com ânimo de dono.

Usucapião ordinária ou comum

É aquela que permite a aquisição da propriedade de uma coisa móvel a quem possuí-la como sua contínua e incontestavelmente por três anos com justo título e boa-fé.

Usucapião extraordinária

É aquela que permite a aquisição da propriedade de uma coisa móvel pela posse contínua e incontestada por 5 anos, independentemente da existência de justo título e boa-fé.

Como entrar com o pedido de usucapião

Para ingressar com um pedido de usucapião, é importante buscar a orientação de um advogado especializado. O advogado irá analisar os requisitos legais, reunir os documentos necessários e elaborar a petição inicial. Em casos de usucapião extrajudicial, como já explicado, é possível realizar o procedimento diretamente no Cartório de Registro de Imóveis, seguindo os trâmites estabelecidos pela legislação.

Novo CPC e a usucapião extrajudicial

Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil (CPC) no Brasil, foi discutida a possibilidade de realização da usucapião extrajudicial. Esse procedimento permite que o interessado na usucapião apresente diretamente ao Cartório de Registro de Imóveis os documentos necessários para a regularização da propriedade, desde que tenha preenchido todos os requisitos legais. A usucapião extrajudicial agiliza o processo, dispensando a necessidade de um processo judicial.

O pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião aconteceu em virtude da alteração legislativa inserta no artigo 1.071 do Código de Processo Civil, que inseriu o artigo 216-A na Lei de Registros Públicos.

Como requerer a usucapião extrajudicial

Através de um advogado constituído, o interessado deve se dirigir a um cartório de notas que esteja localizado no mesmo município do imóvel, no qual irá requerer a emissão de uma ata notarial constando o tempo de permanência na propriedade, o que deverá ser devidamente comprovado pelo requerente. Assim, será necessário a obtenção de certidão de inexistência de ações judiciais incidentes sobre  o imóvel – como ações reivindicatórias e possessórias.

Em seguida, precisará iniciar a segunda parte do procedimento administrativo através do cartório de registro de imóveis. Neste momento serão apresentados tanto a ata notarial e outros documentos necessários para a regularização do imóvel:

  • Documentos pessoais do requerente e cônjuge ou companheiro, se for o caso;
  • Modalidade de usucapião requerida e sua base legal ou constitucional;
  • Documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse;
  • Planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado;
  • Origem e características da posse, bem como a existência de edificação, de benfeitoria ou de qualquer acessão no imóvel, além das datas em que ocorreram;
  • O número da matrícula ou transcrição da área onde se encontra inserido o imóvel usucapiendo ou a informação de que não se encontra matriculado ou transcrito;
  • Certidões negativas dos distribuidores cíveis da Justiça Estadual e da Justiça Federal, da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente;
  • O nome e estado civil de todos os possuidores anteriores cujo tempo de posse foi somado ao do requerente para completar o período aquisitivo, se for o caso.

Observada a documentação e estando em ordem, o registrador fará a publicação de um edital para terceiros interessados em impugnação a pretensão da usucapião, além de comunicar aos proprietário cujo nome esteja registrado o imóvel usucapiendo, além do poder público.

O registrador, nos termos do § 5º do art. 216-A da LRP poderá verificar in loco o imóvel usucapto, caso tenha alguma dúvida quanto aos fatos ou documentos apresentados. Este é um importante instrumento à disposição do Registrador Imobiliário, que poderá confirmar as informações declaradas pelo requerente.

De acordo com o § 6º do art. 216-A da LRP, depois de transcorridos os prazos fixados, de realizadas as diligências necessárias e achando-se em ordem a documentação, com a concordância expressa dos titulares de direitos sobre o imóvel usucapiendo e sobre os imóveis confinantes, o oficial estará autorizado a registrar a aquisição imobiliária por força da usucapião extrajudicial.

Dispõe o § 10 do art. 216-A da LRP que, tendo ocorrido impugnação do pedido por qualquer dos titulares de direito, por algum ente público ou por terceiro interessado, os autos da usucapião extrajudicial será remetido, pelo registrador imobiliário ao juízo competente da comarca de situação do imóvel, cabendo ao requerente adequar a petição inicial às exigências do procedimento comum.

Como funciona a usucapião em imóvel de herança?

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu ser possível a usucapião por herdeiro sobre o imóvel que é objeto de herança, sendo exigido que o herdeiro tivesse a posse exclusiva, sem compartilhar com nenhum dos outros herdeiros, e os outros herdeiros não podem se opor ao pedido de usucapião.

A posse de bem deve ser mansa, pacífica, pública, contínua e o possuidor precisa se ver como dono do bem. Isto é, a posse do imóvel não pode se dar por meio de atos violentos ou à força. Além disso, é importante que os vizinhos vejam o detentor como o dono do imóvel quando ele, por exemplo, cuida da propriedade, realiza reparos necessários, dentre outras atividades.

Conclusão

A usucapião é um importantíssimo instituto do direito, devendo ser sempre objeto de estudo e aperfeiçoamento legislativo, já que é um instrumento de regularização da propriedade imobiliária.

Estima-se que no Brasil mais de 40.000.000 (quarenta milhões) de imóveis precisam ser regularizados em relação à sua propriedade.

A elevada quantidade de imóveis sem o registro imobiliário atualizado dificulta a circulação de riquezas, além de trazer insegurança jurídica e gerar conflitos fundiários.

A usucapião é um instrumento oportuno para suplantar tais empecilhos e facilitar o acesso aos bens imobiliários. Portanto, necessita de um estudo apurado e de ser utilizado para o bem comum e a pacificação da sociedade.

Pedro Quariguasi

Advogado com ampla experiência em diversas áreas do direito, especialista em direito empresarial, direito processual civil, direito imobiliário, urbanístico, ambiental e direito tributário. Fundador do Brito & Quariguasi Sociedade de Advogados, onde assessora juridicamente grandes empresas no âmbito nacional, no Ceará e em estados vizinhos. Também atua como procurador do município de Fortaleza desde o ano de 2005. Atualmente exerce atividades no contencioso administrativo tributário (CAT) da Secretaria das Finanças (Sefin).

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